sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Falsa-couve” ou “Tabaco-silvestre” (Nicotiana glauca)

 

Nicotiana glauca: Características Biológicas, Toxicidade e o Caso Recente de Intoxicação no Brasil

Resumo

A Nicotiana glauca, conhecida popularmente como “falsa-couve” ou “tabaco-silvestre”, é uma planta da família Solanaceae com alta capacidade adaptativa e elevada toxicidade. Recentemente, casos de intoxicação humana no Brasil chamaram atenção para os riscos do consumo acidental dessa espécie, especialmente devido à semelhança visual com hortaliças comestíveis. Este artigo revisa as características botânicas, composição química, mecanismos de toxicidade e aborda o episódio ocorrido em Patrocínio (MG) em 2025, discutindo suas implicações toxicológicas e de saúde pública.


1. Introdução

A Nicotiana glauca Graham é uma planta originária da América do Sul, introduzida em várias regiões do mundo como espécie ornamental ou para estabilização de solos. Pertencente ao mesmo gênero do tabaco comum (Nicotiana tabacum), a planta contém alcaloides neurotóxicos que representam risco significativo para animais e humanos.
Nos últimos anos, o aumento de registros de intoxicação acidental por plantas tóxicas no Brasil tem despertado preocupação sanitária. Em 2025, um caso fatal ocorrido em Minas Gerais envolvendo N. glauca trouxe o tema novamente à discussão científica e pública.


2. Características Botânicas

A Nicotiana glauca é um arbusto perene que pode alcançar de 2 a 7 metros de altura. Possui folhas alternas, ovaladas, espessas e cerosas, de coloração verde-acinzentada. Suas flores são tubulares e amareladas, e o fruto é uma cápsula seca contendo centenas de sementes pequenas e leves, facilmente dispersas pelo vento.
A planta é altamente resistente à seca e adapta-se a solos pobres, sendo frequentemente encontrada em margens de estradas, áreas urbanas e regiões semiáridas. Por sua aparência, pode ser confundida com espécies comestíveis, como a couve (Brassica oleracea), o que aumenta o risco de consumo acidental.


3. Composição Química e Toxicidade

A toxicidade da Nicotiana glauca é atribuída principalmente à anabasina, um alcaloide piridínico estruturalmente semelhante à nicotina. A anabasina atua como agonista dos receptores nicotínicos de acetilcolina, provocando estimulação e subsequente bloqueio neuromuscular.
Os sintomas de intoxicação incluem:

  • Náuseas, vômitos e salivação excessiva

  • Fraqueza muscular e tremores

  • Dificuldade respiratória e convulsões

  • Colapso circulatório e parada cardiorrespiratória em casos severos

Não existe antídoto específico para a anabasina; o tratamento é sintomático e de suporte, com ênfase em ventilação assistida e monitoramento cardiovascular.


4. Caso Recente de Intoxicação no Brasil (2025)

Em outubro de 2025, um caso grave de intoxicação foi registrado no município de Patrocínio (Minas Gerais, Brasil).
Quatro membros de uma mesma família ingeriram folhas de Nicotiana glauca após confundirem a planta com couve durante o preparo de uma refeição. Poucas horas após a ingestão, todos apresentaram sintomas de fraqueza muscular intensa, confusão mental e dificuldade respiratória.
Três foram internados em estado grave e uma mulher de 37 anos veio a óbito por parada cardiorrespiratória. A análise botânica realizada pela vigilância sanitária confirmou a presença de Nicotiana glauca entre os restos alimentares.

Esse episódio evidencia a importância da identificação correta de plantas alimentícias e da educação popular sobre espécies tóxicas, especialmente em comunidades rurais e urbanas com hortas domésticas.


5. Distribuição Geográfica e Impacto Ecológico

A N. glauca é amplamente distribuída em regiões áridas e semiáridas da América do Sul, América do Norte, África, Ásia e Europa Mediterrânea. No Brasil, a espécie é encontrada principalmente nas regiões Sudeste e Nordeste, crescendo espontaneamente em áreas degradadas.
Por sua alta capacidade de regeneração e resistência à seca, é considerada uma espécie invasora, podendo competir com a flora nativa e alterar a estrutura dos ecossistemas locais.


6. Perspectivas de Uso e Riscos Biotecnológicos

Apesar de sua toxicidade, compostos da Nicotiana glauca têm despertado interesse científico:

  • Potencial inseticida natural: a anabasina possui efeito repelente sobre pragas agrícolas.

  • Fonte de biomassa: pesquisas avaliam a planta como matéria-prima para biocombustíveis devido ao seu alto teor de óleo.

  • Modelo experimental: estudos de expressão gênica em Solanaceae utilizam N. glauca pela proximidade genética com o tabaco.

Todavia, seu uso deve ser acompanhado de rigorosos protocolos de biossegurança, dada a elevada toxicidade dos alcaloides envolvidos.


7. Considerações Finais

A Nicotiana glauca representa uma planta de alto interesse científico, tanto pelo seu potencial biotecnológico quanto pelo risco toxicológico. O caso ocorrido em Minas Gerais reforça a necessidade de ações de vigilância sanitária, campanhas educativas e regulamentação do cultivo e manuseio dessa espécie no território brasileiro.
Com a ampliação dos estudos fitoquímicos e toxicológicos, torna-se possível transformar o conhecimento sobre esta planta perigosa em estratégias preventivas e, eventualmente, em aplicações seguras no campo da biotecnologia.


Referências (exemplos ilustrativos)

  • Auld, B. A., & Medd, R. W. (2018). Weeds and weed control in agriculture. Springer.

  • Pérez-Amador, M. C., & Flores, M. E. (2016). Toxicity of Nicotiana glauca in livestock: mechanisms and prevention. Veterinary Toxicology Journal, 12(4), 255–262.

  • Ferguson, G. W., & Baldwin, I. T. (2021). Phytochemical diversity in Nicotiana species and its ecological implications. Plant Physiology and Biochemistry, 162, 88–95.

  • G1 Minas (2025). “Mulher morre e três pessoas são internadas após comerem falsa-couve em Patrocínio, MG.” G1 Globo News Online. Publicado em 8 de outubro de 2025.

  • UOL Notícias (2025). “Família confunde planta tóxica com couve e sofre intoxicação grave em Minas Gerais.” UOL Notícias Brasil.

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