sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Alastrim: A Varíola Menor e o Triunfo da Erradicação

 


Alastrim: A Varíola Menor e o Triunfo da Erradicação

A história das doenças infecciosas é marcada por flagelos que, por séculos, assombraram a humanidade. Entre eles, a varíola (variola major) destaca-se como uma das mais devastadoras, mas também como a primeira doença infecciosa humana a ser completamente erradicada. No entanto, menos conhecida, mas igualmente relevante para a compreensão da erradicação global da varíola, é o alastrim, também denominado varíola minor. Esta forma mais branda da doença, embora menos letal, representou um desafio persistente e uma peça-chave na estratégia global de saúde pública que culminou na vitória contra o vírus.

Classificação Biológica do Agente Etiológico

Tanto o alastrim quanto a varíola major são causados por variantes do mesmo vírus. Vejamos sua classificação taxonômica:


  • Ordem: Ortopoxvirales

  • Família: Poxviridae

  • Subfamília: Chordopoxvirinae

  • Gênero: Orthopoxvirus

  • Espécie: Variola virus

    • Variante (cepa): Variola major (causador da varíola clássica e grave)

    • Variante (cepa): Variola minor (causador do alastrim)


O Variola virus é um vírus de DNA de fita dupla, envelopado, com um genoma grande e complexo. A distinção entre Variola major e Variola minor reside em pequenas diferenças genéticas que resultam em manifestações clínicas de gravidade variada, com a Variola minor apresentando uma virulência significativamente menor.

Alastrim: Características e Diferenças em Relação à Varíola Maior

O alastrim é uma forma mais branda da varíola, mas compartilha muitas características clínicas com a varíola maior, o que tornava seu diagnóstico diferencial um desafio em campo.

Características Clínicas do Alastrim:

  • Sintomas Iniciais: Febre baixa, mal-estar, dor de cabeça e dores musculares, geralmente menos intensos que na varíola maior.

  • Erupção Cutânea: Após a fase prodrômica, surge uma erupção cutânea que progride de máculas (manchas) para pápulas (pequenas elevações), vesículas (bolhas com líquido claro), pústulas (bolhas com pus) e, finalmente, crostas que caem.

  • Distribuição das Lesões: A erupção é centrífuga, ou seja, mais densa na face e nas extremidades (braços e pernas) do que no tronco. As lesões geralmente se desenvolvem em uma única "safra", o que significa que todas as lesões em uma determinada área estão no mesmo estágio de desenvolvimento.

  • Menor Gravidade e Mortalidade: A principal diferença em relação à varíola maior é a taxa de mortalidade. Enquanto a varíola maior podia ter uma taxa de letalidade de 20-30% (ou até mais), a taxa de mortalidade do alastrim era tipicamente inferior a 1%, geralmente associada a complicações secundárias em indivíduos debilitados. As cicatrizes (marcas de varíola) também eram menos proeminentes ou ausentes no alastrim.

Desafios Diagnósticos:

O diagnóstico diferencial entre alastrim e varíola major era crucial, mas difícil apenas com base nos sintomas iniciais, pois ambos os vírus eram clinicamente muito semelhantes em suas fases precoces. A distinção só se tornava clara à medida que a doença progredia e a gravidade da erupção e do quadro geral se manifestava.

O Papel do Alastrim na Erradicação Global

Embora menos grave, o alastrim desempenhou um papel significativo na persistência da varíola no mundo e na complexidade de sua erradicação:

  1. Reservatório de Vírus: O alastrim mantinha o Variola virus em circulação, funcionando como um "reservatório" de casos, mesmo em áreas onde a varíola maior era menos comum. Isso significava que, enquanto o alastrim existisse, o vírus poderia sofrer mutações ou se espalhar para populações mais vulneráveis, potencialmente desencadeando surtos de varíola maior.

  2. Dificuldade de Identificação: A natureza branda do alastrim fazia com que muitas pessoas infectadas não procurassem atenção médica, ou seus casos fossem subnotificados ou confundidos com outras doenças, dificultando o monitoramento e o rastreamento de contatos.

  3. Vacinação Essencial: A vacina contra a varíola era eficaz contra ambas as formas da doença. A estratégia global de erradicação da Organização Mundial da Saúde (OMS) na década de 1960 focou em vacinação em massa e na "vigilância e contenção" (identificação de casos e vacinação em anel ao redor dos infectados). A erradicação do alastrim foi tão importante quanto a da varíola major para alcançar o objetivo final.

O último caso natural de varíola (seja major ou minor) foi registrado na Somália em 1977. Em 1980, a OMS declarou oficialmente a erradicação global da doença.

Conclusão

O alastrim, ou varíola minor, representa um capítulo crucial na história da saúde pública. Embora menos conhecido que sua contraparte mais letal, o estudo e o controle do alastrim foram fundamentais para a estratégia que levou à erradicação do Variola virus do planeta. A eliminação dessa forma mais branda da doença solidificou o triunfo da ciência e da colaboração internacional sobre uma das pragas mais antigas da humanidade. A história do alastrim é um testemunho da importância da vigilância epidemiológica, da vacinação universal e da pesquisa em saúde para o bem-estar global.

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